10 agosto 2018

Contratação de Designers - experiências e checklists




Precisamos falar sobre contratação de Designers.


Experiências, checklists e um papo cabeça

Para começar, qual é o papel do designer?

Já parou para pensar que em todos os objetos, móveis, carros, casas, celulares, apartamentos, enfim, qualquer estrutura feita pelo ser humano, houve alguém que projetou aquilo? Digo, um ser pensante que decidiu que um objeto ia ser assim e não daquele jeito? Que ia ser áspero e não liso? que ia ser leve e não pesado? cinza e não vermelho?
Esse ser pensante foi um designer.
Por isso que a posição do designer não é apenas mais uma no pipeline de desenvolvimento de produto. É uma posição responsável por guiar os que estão à volta seja ao projetar um simples formulário, desenhar um banco ou conceber grandes visões de produto.


Nós também impulsionamos equipes a pensar adiante e agarramos, como um cão agarra o osso, os interesses e dores dos usuários.
Buscamos resolver o problema por completo, não só olhando para o que estético, mas o que ataca a origem da dor.
“Design is also the process we undertake to solve a problem. It fucking hurts to catch a baseball with your bare hand. A mitt is the solution to that problem.”
Mike Monteiro, 2015, Medium article “Why you need design

Também é nossa responsabilidade zelar pela funcionalidade, consistência, usabilidade, estética e acessibilidade. Queremos não só o que funcione, mas o que funcione para todos.
“Most people make the mistake of thinking design is what it looks like. People think it’s this veneer — that the designers are handed this box and told, ‘Make it look good!’ That’s not what we think design is. It’s not just what it looks like and feels like. Design is how it works.”
Steve Jobs, 2003 New York Times article “The Guts of a New Machine.”
Bastante responsabilidade, certo? Por isso que contratar Designers é foda para caralho.

Contratar designers é foda

Quem já teve que contratar designers, sabe o quão difícil é. Quem são? Onde moram? como se alimentam? Como definir se é uma boa contratação? É quase uma caça ao tesouro identificar um bom fit nas cartas de apresentação e portfólios.
E não é só por culpa dos portfólios, vamos combinar, mas também pela falta padronização na hora avaliar o candidato e pela pouquíssima documentação de boas práticas de contratação no mercado.
O que faz com que, no fim do dia, cada empresa use sua própria metodologia e não fique claro o critério para quem recruta e muito menos pra quem aplica.
Experiência própria
Trabalho há mais de dez anos na indústria do Design, muitos dos quais participei da contratação de outros Designers.
Nos últimos meses, busquei um novo emprego e a experiência de aplicar para outras vagas de design trouxe aprendizados para melhorar o processo de contratação da Worldpackers, startup que eu trabalhava.
Apliquei e participei de entrevistas no ItaúNubankLoggiEventbriteSpotifyCathoGlobo.com entre outras; todas bacanas e com experiências excelentes para compartilhar.




Boas referências
Reuni minha experiência com os artigos bacanas da Lindsay Mindlerdesigning the team; do Michael Owensdesigning the hiring process; e uma discussão interessante da Tiffany W. Eaton, no artigo Identifying design company fit. Se quiser se aprofundar ainda mais no dilema, só ler esses artigos. Tá tudo lá. O que fiz aqui foi resumir e mostrar um pouco do que vivi para reduzi a dor de cabeça na hora de contratar designers, além de trazer alguns aprendizados para quem tá buscando um novo emprego na área de Design.
Também dividi o conteúdo em algumas partes para não ficar extenso e liberar o material aos poucos.

Decidindo o que time precisa

O primeiro passo para uma boa contratação é entender quais as necessidades e os objetivos para o projeto ou o time. Ter claro expectativas, lacuna a ser preenchida, o tipo de senhoridade e quais habilidades necessárias para o job é crucial.
Nav Pawera, head of design da Buuuk, conta que um exercício bacana é explicar o role e as expectativas da vaga em apenas algumas linhas. Ex.:
“Um designer que saiba o básico de visual design e está querendo aprender e migrar para projetar Interfaces” ou “um designer com 2–3 anos de experiência em entregar projetos bem validados em testes de usabilidade”.
Para isso, usamos perguntas como as abaixo para definir as expectativas da empresa e alinhar com time:
  • Por que estamos abrindo essa posição?
  • Qual a necessidade da nossa área?
  • Qual vai ser o dia-a-dia desse designer?
  • Quais são os objetivos que esperamos o no curso, médio e longo prazo?
O que o time precisa aprender
Um outro jeito de olhar é se perguntar como time: o que queremos aprender? Afinal, trazer algum designer com especialidade em pontos que o time precisa se desenvolver é um investimento não só para o projeto, mas para a empresa toda.
Para isso, começamos listando uma matriz de pontos fortes e fraquezas. Ex. Pontos fortes: Prototipação, Interação, Visual Design. Fraquezas: Pesquisa, Métricas e Análise de dados.
One simple way of finding what your team actually needs, it seems, is to look at where you are contracting out the most work. Start there. Next, look at where your gaps are as a leader. For example, I am trained in interaction design, but not as much in UX. For our next hire, we are filling that gap by looking for a designer with that UX background.
Lindsay Mindler, 2014 in Designing the Team.
Definir esses pontos não só deixa todos do time e empresa na mesma página como também ajuda na hora da descrição da vaga.

Avaliar o designer

Quando pensamos em avaliar o designer e seu trabalho, podemos levar em consideração uma série de critérios. Michael Owens e Jonathan Lieberman, em seu artigo, designing the hiring process, trazem alguns pontos que importantes para a avaliação:

Além da interface

1Sim, sabemos o quanto é importante o look and feel de um produto, mas para muito designer pára por aí, deixando o entendimento do problema, a complexidade de implementação ou o raciocínio que resultou na interface para segundo plano. Isso quando existe.
O Dribbble e Behance estão cheios de conceitos inovadores e interfaces que desafiam a astrofísica dos pixels, e até sabemos o quanto isso é importante para instigar a comunidade de Designers, mas os objetivos do negócio e a experiência do produto, marca ou serviço não nascem de pixels, mas da interação com outras áreas e com os seus clientes.

Habilidade de se comunicar

2Propagar ideias e difundir conhecimento também são tarefas do dia-a-dia de um designer e se tornam mais fáceis com uma comunicação clara, racional e objetiva.
Identificar esses pontos na entrevista na hora da contratação é fundamental: como o designer apresenta e vende seu trabalho e seu papel nos projetos que participou? Como foi difundir o projeto e ter aceitação dos outros time?
“The most important thing is how candidates present their work, describe the challenge and their role in it, and sell themselves. This allows us to evaluate not simply the quality of problem solving and design skill/knowledge, but also their communication skills and whether they truly want to be part of a collaborative interdisciplinary team, rather than be a highly-specialized individual contributor.” — Erika Hall

Resolver problemas

3Também é importante entender como o designer transita dos pixels, softwares e interfaces para os problemas de negócios, métricas e empatia com o usuário.
Conseguir identificar na entrevista o quão profundo o candidato cavou para entender o problema é crucial, principalmente em níveis maiores de senhoridade.
“Interesting to see how people approach and dig into a better understanding of the problem, constraints, business objectives, success metrics, context of use, current solutions, use cases, general empathy for the user” — Dave Young

Paixão

4Pode parecer mais uma palavra abstrata e até ufanista, mas identificar alguém que não quer apenas ser contratado para o job, mas é apaixonado por aquilo que faz no dia-a-dia é fundamental. O famoso brilho nos olhos. Se o profissional não tem essa paixão, dificilmente vai estar 100% envolvido no seu trabalho.
There aren’t many things that adversely impact a team’s dynamic more than having a designer who isn’t passionate about what they’re working on.” — Jonathan Lieberman

Senso de dono

5Tem poucas coisas piores em um projeto que ele nascer sem dono. E isso vale para qualquer área. Como o designer tomou responsabilidade pelo que foi entregue? Como o projeto cresceu? Quais caminhos precisaram ser mudados para isso acontecer? Como foram essas decisões foram tomadas?
“The absolute worst thing is when they blame a decision on the client without being able to articulate the client’s POV that led to the decision.” — Bob Baxley

Guidance

6Compartilhar experiências, inspirar e guiar designers mais novos também compõe um papel importante na posição de design. Além disso, entender como ele orquestrou a colaboração de outros Designers no projeto anterior também diz muito sobre como ele vai lidar com os próximos.
“See how they work in real-time […] For a manager how they guide design (how they ask questions, what they focus on, do they know the craft as well as people? How do they give feedback? Can they see poor ideas? Can they move them forward?).” — Stefan Klocek
É claro que nem todos esses critérios ficam evidente logo de cara. Algumas conseguimos extrair pelo portfólio, outras na entrevista presencial e algumas só quando o designer apresenta o exercício de design.
Ainda é provável que outras só sejam perceptíveis no dia-a-dia. E aí é confiar.

Como identificar na prática?

Na última contratação da startup que eu trabalhei, criamos um checklist como fluxo que me ajudou a tangibilizar os critérios de avaliação. O checklist é:
1. Garantir boa descriçõe da vaga.
2. Ter as perguntas certas no formulário de aplicação.
3. Absorver o máximo da primeira entrevista, geralmente remota.
4. Escolher o teste de Design adequado.
5. Cobrir os últimos pontos e dúvidas na entrevista final.
6. Fornecer Feedback para os que não passaram.
Vou cobrir os dois primeiros tópicos nesse artigo e nos próximos falamos dos demais.

1. Garantindo boa descrição da vaga

Descrições claras são o passo inicial para eliminar dúvidas e ter certeza que o designer identifique se aquela vaga faz sentido de acordo com o seu momento de carreira, especialidade e nível de senhoridade.
Além disso é um momento crucial para consolidar necessidade daquela daquela vaga, como discutido lá em cima. Não se deixe levar por vagas confusas ou sem ter muito claro a necessidade do time, momento da empresa e expectativa sobre o designer, é bem comum que descrições confusas resultem em vagas confusas. E ninguém quer trabalhar em uma posição que nem o contratador nem o Designer sabe o que esperar um do outro.
O que nós usamos como benchmark para criar a nossa descrição, chegou nesse padrão abaixo:
  1. Apresentação e propósito da empresa.
  2. Desafios do time.
  3. Necessidade técnica.
  4. Match cultural.
  5. Beneficios.
  6. Link para formulário de aplicação

2. Formulários de aplicação

Enquanto na descrição da vaga, o objetivo é garantir que o designer conheça mais sobre a empresa e seus desafios; no formulário de aplicação o objetivo é que a empresa saiba mais sobre o designer – levando em consideração os critérios de avaliação como habilidade de comunicação clara, resolver problemas, ownership, guidance, etc.
Para cobrir esses pontos, organizamos o nosso da seguinte forma:
  1. Informações básicas.
  2. Por que trabalhar aqui?
  3. Qual o seu processo de design?
  4. Fale sobre algum projeto que se orgulhe. O que aprendeu com ele? O que poderia ter sido melhor?
  5. Qual o último conteúdo relacionado ao seu trabalho você leu?
  6. Já escreveu algum texto?
  7. URL do portfólio; LinkedIn, Behance, Dribbble.
  8. Informações adicionais.
Destrinchando cada um dos tópicos:
Informações básicas
1É um ponto importante para garantir que as informações burocráticas como regime de contratação (CLT ou PJ), regime de trabalho (remoto ou presencial) e onde está localizada a empresa estejam claras e reiteradas. Fizemos inclusive checkboxes para garantir que o candidato lesse a informação. Informações de contato também são bem-vindas.
Por que trabalhar aqui?
2Esse é um momento para entender o nível se profundidade do conhecimento da empresa/segmento e quais os drivers guiam sua carreira no momento: Mudança de carreira? Projetar novos produtos? Trabalhar com equipes maiores ou menores?
Qual é o seu processo de design?
3Menos que um checklist de teorias, o foco aqui é entender como o designer lida com as demandas do dia-a-dia e quais as suas percepções sobre:
  1. Qual é o seu framework de trabalho?
  2. O quão próximo está do usuário final?
  3. Como os insights de outras equipes impactam no seu trabalho?
  4. Onde busca referências?
  5. Como executa ou projeta sua interface?
  6. Qual a proximidade com os desenvolvedores?
  7. Como é o processo de iteração?
  8. Como transita entre as áreas?
É claro que as respostas variam de acordo com a especialidade e perfil do designer, mas nesse momento é o importante para checar se o processo desse designer faz sentido para a sua equipe ou como somá-las e melhorar os dois.
Fale sobre um projeto que você se orgulhe. O que aprendeu com ele? O que poderia ter sido melhor?
4Aqui é menos falar sobre as características específicas do projeto e mais se focar na contribuição do Designer nele.
  1. Qual foi o seu papel?
  2. Quem foi importante na execução?
  3. O que vê de oportunidade nele? Quais os próximos passos?
  4. Quais foram os resultados?
Qual foi o último conteúdo sobre a sua área que você leu?
5É péssimo para um designer ficar parado no tempo e não adquirir conhecimento. Design é uma indústria que muda a todo momento e não ter acesso constante a esse conhecimento te coloca para trás, ainda mais com acesso a tanto conteúdo no Médium, LinkedIn, Blogs e Livros incríveis.
Além disso, esse é o momento para entender quais assuntos dentro do vasto mundo de design interessam o candidato.
Já escreveu algum texto?
6Não é obrigatório, mas é um diferencial ter algo escrito e consolidado por ele.
URL do portfólio, Dribble ou Behance.
7Sem muito segredo, mas é importante para deixar organizado e acessível. LinkedIn atualizado, Behance com os últimos trabalhos são importantes. Em uma das aplicações da Worldpackers, o designer tinha trabalhos de 2006.
2006? Really?
Outro ponto é: antes de aplicar, dê aquele checkup e garanta que no seu portfólio não tenha apenas telas ou resultados finais, mas também o processo de desenvolvimento do projeto. Qual era o escopo inicial do projeto? Qual era o desafio? O que mudou? Trazer isso no portfólio enriquece o material e dá uma visão bacana do processo que o designer seguiu.

Seu processo de contratação também é um produto

Essa foi a primeira parte do assunto, nas próximas vou abordar sobre os testes de design, as entrevistas remotas, as presenciais e os feedbacks mesmo os candidatos que não passaram.
Mas o ponto crucial é que independente de qual parte do processo estamos falando, ele precisa de atenção e ser iterado do mesmo jeito que fazemos na nossas sprints ao longo do tempo.
“Just like a product, your hiring process needs attention to detail and careful consideration.” Mathew Owens em Designing the hiring process.
E você, o que achou? Os critérios fazem sentido? Tem algo que também é importante saber na hora de contratar um designer?

 
 

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